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Como renasce uma floresta: os bastidores da restauração ecológica

Um projeto de restauração ecológica começa muito antes da primeira muda tocar o solo. Jansen Fernandes, nosso diretor de operações florestais, explica que a atividade demanda uma série de etapas complexas e integradas e um conjunto de conhecimentos específicos sobre o ecossistema a ser recuperado. 

O planejamento se inicia pela busca de áreas degradadas e elegíveis para o desenvolvimento de projetos de restauração florestal voltados ao mercado de carbono. Essa análise prossegue com o estudo do solo, a definição dos métodos e técnicas de plantio e manutenção da floresta, o estudo e o estabelecimento da cadeia de serviços e insumos, as práticas de monitoramento e o dimensionamento de recursos necessários para o sucesso da operação. A geração e comercialização de créditos de carbono também demandam um planejamento específico, em integração e harmonia com a restauração ecológica.

A perpetuação da saúde da floresta só é garantida se houver compreensão das conexões e interdependência entre os estágios, conhecimento técnico e articulação entre diferentes atores. A ação humana deve acontecer em momentos precisos e se basear em dados do monitoramento. Neste artigo, você vai conhecer as fases e desafios envolvidos nesse processo.

Etapa 1: Identificação de áreas com potencial para recuperação ecológica é o primeiro passo para um projeto bem-sucedido

O Brasil possui 100 milhões de hectares de pastagens degradadas. No entanto, nem sempre essas áreas são adequadas ao desenvolvimento de projetos de restauração florestal voltados ao mercado de carbono.

Jansen revela que as características procuradas incluem a seleção de ambientes com capacidade de suporte para o desenvolvimento de plantios florestais elegíveis para a certificação de projetos de carbono e a comprovação da legalidade dos registros de propriedade. 

Essa avaliação demanda o apoio de tecnologias de inteligência geoespacial, combinadas com métricas e padrões internacionais de projetos de carbono, seguida de rigoroso processo de análise jurídica. 

Uma vez identificada a potencial área a ser restaurada, são analisados aspectos como condições climáticas, uso e tipo do solo, situação de fertilidade, relevo, dados ambientais diversos e fatores atuais de degradação. Essas informações estão na base do planejamento e da abordagem técnica da restauração.

Etapa 2: O planejamento ecológico estabelece os processos e recursos necessários para que o ecossistema retome seu equilíbrio natural

A partir dessa primeira avaliação, a equipe técnica vai a campo para elaborar um plano detalhado de restauração ecológica. Jansen explica que o processo tem início com a definição das unidades produtivas em que a área total é dividida, denominadas talhões.

Para cada talhão, é feito o estudo minucioso do solo para definir as técnicas necessárias à reposição da sua capacidade de dar suporte ao ecossistema. Essa análise inclui tipo de solo, histórico de uso,  grau de degradação, clima e remanescentes florestais. No Projeto Muçununga, por exemplo, em que estamos regenerando mais de 1.200 hectares de Mata Atlântica no sul da Bahia, a área foi dividida em 320 talhões que têm, em média, cinco hectares cada.

“O planejamento não visa apenas reverter a degradação do solo ou recuperar a vegetação, mas restabelecer a funcionalidade ecológica do ecossistema” – Jansen Fernandes

Etapa 3: O desafio logístico da produção de sementes e mobilização da cadeia de suprimentos para que o plantio aconteça no momento certo

Preparar todos os insumos e serviços que viabilizarão o projeto envolve desde a coleta de sementes e produção de mudas até aspectos logísticos e capacitações das equipes que atuarão em campo. O plano deve garantir que o plantio ocorra no tempo ideal, respeitando o ciclo das chuvas e as demais condições ambientais.

De acordo com Jansen, “em projetos de grande escala, a produção de sementes e mudas e sua logística de transporte e distribuição em campo exigem seu próprio planejamento”. Ele explica que as mudas florestais devem ser de alta qualidade, diversificadas e adaptadas às condições da região. Mais do que insumos, elas representam o começo de uma nova floresta, a possibilidade de restaurar paisagens, gerar conhecimento e impulsionar economias locais.

Em nossos projetos, a coleta de sementes é feita por viveiros locais e em áreas próximas ao plantio para assegurar a compatibilidade ecológica e fortalecer a resiliência da floresta restaurada. As sementes passam por diferentes processos de beneficiamento e armazenamento para garantir sua viabilidade até o momento do plantio.

Etapa 4: A preparação do solo, especialmente os mais degradados, é essencial para o sucesso do projeto

Antes de iniciar o plantio, é fundamental realizar intervenções no solo que promovam sua recuperação física (descompactação) e química (adubação), controle de espécies invasoras e combate a pragas, como as formigas cortadeiras.

“O objetivo não é impor uma floresta, mas facilitar seu retorno com base no que aquele ecossistema já foi e pode voltar a ser” – Jansen Fernandes

A descompactação pode ser feita com o auxílio de equipamentos agrícolas como o subsolador e o escarificador. O objetivo é recompor as condições de aeração e permeabilidade, para maior absorção de água e nutrientes. Mas existem situações nas quais a mecanização dessa atividade é restrita e é preciso recorrer à descompactação semi-mecânica com equipamentos específicos para esta operação.

Já a adubação deve ser feita após análise da fertilidade desse solo, com produtos e elementos selecionados de forma a não prejudicar o meio ambiente ou a saúde de pessoas e animais. Outra preocupação é o treinamento da equipe, fundamental para reduzir riscos de desperdício e de poluição.

Etapa 5: É hora do plantio! Um bom planejamento envolve a reintrodução de espécies nativas, atrativas de fauna e com maior acumulação de carbono

Com o solo preparado e as mudas e sementes disponíveis, finalmente é possível dar início ao plantio, que pode ser manual ou mecanizado, de acordo com as características da área. 

A seleção criteriosa do mix de espécies nativas é um dos principais focos desta etapa, que considera sua função ecológica, adaptabilidade e contribuição para a recomposição da biodiversidade. As espécies são introduzidas ao longo de três fases: estruturação, consolidação e maturação.

Estruturação: espécies pioneiras

A primeira fase envolve as chamadas “espécies de recobrimento”, que crescem rápido e têm boa cobertura de copa e sombra. Essas pioneiras recobrem e protegem o solo, oferecendo as condições para a introdução de outras espécies.

Elas formam o primeiro dossel, promovem a modificação do microclima e funcionam como colaboradoras da supressão dos fatores de degradação. Jansen revela que, no caso do Projeto Muçununga, esta etapa prevê o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica como pau-pólvora, pau-viola, capixingui, aroeira-pimenteira, gurindiba e cajazinho.

Consolidação: espécies de enriquecimento

Já a fase da consolidação proporciona a formação do segundo dossel e do sub-bosque. Nela, são introduzidas espécies que têm crescimento mais lento e maior longevidade, incluindo aquelas atrativas de fauna e com boa capacidade de acumulação de carbono.

Para garantir a riqueza biológica do Projeto Muçununga, por exemplo, ao menos 15% das espécies são de enriquecimento. Elas serão introduzidas sempre que o monitoramento contínuo indicar a necessidade, e incluem o angico, a aroeira preta, o ipê-amarelo e o pau-formiga.

Maturação: a floresta encontra o equilíbrio ecológico

O sucesso das fases anteriores garante o encaminhamento da floresta para um equilíbrio dinâmico, em que ela se renova de maneira natural e perene.

Apenas um manejo adaptativo é requerido. O monitoramento contínuo da floresta permite identificar problemas e riscos, como a presença de pragas ou focos de incêndio, que demandam intervenções pontuais.

Etapa 6: A importância do monitoramento e avaliação contínuos para garantir o restabelecimento dos serviços ecossistêmicos

Muito longe de concluir os trabalhos de restauração ecológica, após o plantio é preciso garantir cuidados e práticas agrícolas para que a floresta tenha sucesso no seu desenvolvimento.

Nas palavras de Jansen, “restaurar não é apenas cobrir o solo de verde. É pensar em como cada espécie interage e contribui para a formação de um ecossistema completo”. Por isso, após o plantio inicial e a formação do primeiro dossel, a restauração precisa do monitoramento permanente e da introdução, sempre que necessária, de espécies de enriquecimento e ações de controle de pragas e espécies invasoras. 

Trata-se de um processo a longo prazo, que leva em consideração todas as peculiaridades do ecossistema e os fatores que levaram à sua degradação. “Queremos que a área restaurada alcance um estágio de equilíbrio ecológico, em que estejam presentes sua capacidade de se regenerar naturalmente e de prestar serviços ecossistêmicos”, conclui o nosso diretor de operações.

Os benefícios da restauração crescem exponencialmente ao longo do tempo: conforme a área se recupera, ela traz ganhos para as pessoas, para a natureza e para os negócios que dela dependem.